sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Musica religiosa x Dissonância

   

 Uma senhora me parou na rua:

- "Que lindo que o seu grupo cantou no sábado, mas eu não entendi o por que de tanta dissonância! Vocês cantam lindo...mas eu não senti que a mensagem me chegou por causa das dissonâncias!!"
- "Mas o que a senhora quer dizer com dissonâncias?" - perguntei...

- "É que...não sei...não tinha harmonia...as vozes...eh....não sei....me soava estranho...não dava pra entender a mensagem...."
- "Mas a senhora sabia que notas dissonantes fazem parte da harmonia?Talvez a senhora se refira ao fato de que em alguns momentos eu usei acordes um pouco mais elaborados no arranjo...quem sabe um pouco mais complexos." - expliquei...
- "Não sei...mas você sabia que no céu não vai ter musica com dissonância?"
- "Como a senhora sabe disso?" - indaguei...
- "Um pastor entendido de musica pregou uma vez sobre isso..."
- "E baseado em que ele fez essa afirmação?" - cutuquei...
- "....................."
- "Eu entendo que talvez musicas com arranjos mais simples possam soar mais agradáveis ao seu ouvido; Mas a exploração de novas possibilidades musicais também enriquecem a musica...deixa a musica com uma cara mais atual e muitas vezes mais agradável aos ouvidos dos jovens, que é um dos principais públicos alvos do nosso ministério como grupo!" - justifiquei...
- "Da próxima vez cantem uma musica com um arranjo mais simples, pode ser?"
- "Pode ser sim...prometo levar sua sugestão em consideração na próxima vez..." - Finalizei...

    Pra quem quiser saber a musica "cheia de dissonância" a qual a senhora se referia: 



obs. Fiz um arranjo para o meu grupo (Voz&Rimas) bem parecido com a interpretada pelo Faith First.

    Essa não é a primeira vez que minha forma de fazer musica é alvo desse tipo de crítica: "não se pode cantar musica dissonante na igreja...", "dissonância é pecado..."; e o clássico: "...Ellen White condena a dissonância!". Será que ela realmente condena a dissonância???
    Um dos textos usados para insinuar que Ellen White condenava a dissonância é a seguinte passagem do livro Evangelismo na página 508: 

"Vi que todos devem cantar com o espírito e com entendimento também. Deus não Se agrada de algaravia e dissonância". 

    No original em inglês a palavra usada no texto e traduzida como "dissonância" é "discord":

"...God is not pleased with jargon and discord."

   A expressão mais exata em inglês para se referir a "musica dissonante" ou "acordes dissonantes" seria "dissonance". Em espanhol a tradução fica ainda mais interessante:

"...A Dios no le complace la jerga y la discordancia."

    Mais curiosa ainda é a tradução do mesmo texto no livro Testemunhos Seletos, vol.1, página 45:

"...Deus não Se agrada de barulho e desarmonia"

    A escritora usou muito a palavra "discord" e na maioria das vezes no sentido de "discórdia", "divergência", "desentonação", "desafinação", "desarmonia" e não para definir intervalos de notas ou acordes específicos, ainda que no português a palavra "discord" possa ser traduzida como "dissonância". Do ponto de vista técnico, não existe nada de errado com os acordes dissonantes! Utilizados de maneira correta eles enriquecem e dão beleza a qualquer musica. O que existem são arranjos mal feitos, musicas de má qualidade e interpretações desarmoniosas. 
    A titulo de curiosidade, nosso hinário adventista do sétimo dia (considerado por muitos como referencia perfeita, imaculada e quase santa do tipo de musica que se deve usar na igreja) possui mais "dissonâncias" do que uma pessoa poderia imaginar. Se Ellen White realmente está condenando acordes dissonantes, teríamos que retirar do nosso hinário hinos como: "Lindo pais", "Não desistir", "Além do rio", "Monte do calvário", "Deus sabe, Deus ouve, Deus vê", entre outros.
    Não podemos esquecer que Ellen White, gostem ou não, teve sua preferencia musical como descendente de europeus e por vir do metodismos. Após observar a "perfeita ordem do céu" e escutar a "musica perfeita que ali há", ela escreve: "Depois de sair da visão, o canto aqui me soou muito áspero e dissonante". [Evangelismo, 505] Claramente ela descreve o que viu e ouviu e em seguida expressa sua opinião pessoal.
     Sei que existem teses de doutorado, livros, sermões, palestras, etc, etc e etc sobre musica religiosa e confesso que nunca tive animo (mas deveria...) para aprofundar mais meus conhecimentos sobre esse tema, mas cheguei as seguintes conclusões:

- Como na Bíblia não existe pentagrama assim como nenhuma nota musical, nenhum ser humano pode dizer qual é a melodia ou harmonia que mais agrada a Deus.  
- Assim como em relação a comida, na musica existe um alto grau de preferencia que estar marcada pela cultura do lugar e do indivíduo.
- Ao interpretar os textos escrito por Ellen White e especialmente em relação a palavra "discord", deveríamos respeitar a língua original, o contexto original, a logica e o bom senso.

"Deus não se agrada de algaravia e dissonância" é mais aplicável a solistas que semitonam e erram a letra, quartetos que não sustentam a afinação, cantores que não se preparam devidamente, grupos com harmonias desencontradas.


Não tem como falar sobre dissonância musical sem lembrar deles!! Finalizo com essa "simples" demonstração...



Nos vemos.

Diego Moraes

Nenhum comentário:

Postar um comentário